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Zizi Possi e nada mais


O álbum reafirma a grande intérprete que é Zizi Possi. Com uma voz que flutua suave, indo às notas com a precisão de um ourives, ela não usa subterfúgios outros que não se ater a essência da música. Como se dissecasse a intenção dos autores, extraindo dela o sumo e nada mais.

Um parêntese: certa vez, o MPB4 participava de um show no SESC Pompéia-SP, no qual também participavam Zizi Possi e outros colegas. Fiz questão de acompanhar a passagem de som da Zizi. Impressionado com o que ouvia, não resisti e disse para ela: Zizi, você deve saber que entre os músicos, quando queremos dizer que uma situação está ruim, costumamos dizer que a coisa “está mais feia do que voz guia”. (“Voz guia” é o que o intérprete canta displicentemente, apenas para orientar a gravação dos instrumentos ou na passagem do som, resultando invariavelmente em algo não muito afinado). E prossegui: Pois bem, você desmoralizou a piada, sua “voz guia” é tão linda e afinada quanto a que você demonstrará à plateia, na hora do show. Fecho o parêntese.

O CD tem ótimas canções, cantadas com esmero e desafetação por uma das melhores cantoras desta terra. A abertura é com “Filho de Santa Maria” (Paulo Leminski). Webster Santos canta com Zizi. O arranjo é vigoroso, a cara dela. Show!

Ao longo de onze faixas, ela desfila sabedoria musical num repertório que admira, posto que algumas belas canções, aparentemente, não combinam com o estilo de Zizi: “Disparada” (Geraldo Vandré e Theo de Barros), “Meu Mundo e Nada Mais” (Guilherme Arantes) e “Porta Estandarte” (Fernando Lona e Geraldo Vandré). Quebrei a cara, graças a Deus. Acho eu perdi a dimensão da capacidade que tem Zizi de assombrar.

E é exatamente o que ela faz, canta assombrosamente os versos de “Disparada”, com a presença marcante do piano, e voz delicada, tornando ainda mais épicos os versos de Vandré; espantosamente, “Meu Mundo e Nada Mais” ganha novo sabor; admiravelmente, com um ótimo arranjo, “Porta Estandarte” é uma grande escolha.

Além da já citada “Disparada”, “Explode Coração” (Gonzaguinha) e o antológico samba de Paulinho da Viola que dá título ao disco, “Tudo se Transformou”, são exemplos de simplicidade interpretativa que resulta em ainda mais beleza.

Outro belo momento é quando Zizi canta a inédita “No Vento”, da compositora gaúcha Necka Ayala. A música é linda, e Zizi canta com a alma na garganta. Meu Deus!

Fechando a tampa, “Sem Você” (Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown). Bela ideia juntar a ela a canção inicial “Filho de Santa Maria”. A soma dá ao final do álbum a força necessária para que tudo fique fortemente guardado na memória dos privilegiados que ouviram Zizi Possi cantando.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4