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Vidas brilhantes


Bem mais curiosas do que as experiências pessoais são as observações de Betty sobre o quanto mudou o mundo ao longo de seus 86 anos de vida. A preocupação da clientela quanto ao nome do criador de uma roupa, os vestidos cada vez mais brilhantes e mais curtos, sapatos mais altos, com solas pintadas de vermelho horrorizam a personal shopper . Ainda em atividade, ela lamenta os tamanhos diminutos dos modelos e a moda que hoje massacra com a autoestima das mulheres, que, na maturidade são “punidas por não passar todos os minutos da vida na academia, fazer dietas detox ou arriscar a vida com lipoaspiração, (...) que praticamente vivem de roupa de ginástica. Na minha época, viajava-se de avião com terninho, luvas e chapéu. (...) Na última vez em que fui a um aeroporto, pensei que tinha entrado (...) numa academia”, resmunga Betty. Gente agarrada aos celulares, conversando ao telefone como se estivessem em casa, chefes que se reúnem com subalternos com os pés sobre a mesa – tudo indigna uma senhora oriunda de um tempo sofisticado.

Biografia que faz muito mais sentido para nós, brasileiros, é a do cineasta Domingos de Oliveira, que no delicioso Vida Minha (Record, R$ 55) fala sobre  mulheres, a família, televisão, teatro e cinema, com saudades que rejeitam a melancolia da maturidade. Descrições apaixonadas de suas musas, entre elas a segunda ex-mulher, Leila Diniz, entrecortadas por recordações de casos profissionais, do encontro com amigos, de passagens joviais fazem o retrato do entusiasmo que Domingos sente pela vida. Ardente, mas sem sentimentalismo, derramando-se apenas em corujices pela filha e pelos netos, o percurso artístico do criador de histórias é também uma celebração do modo de vida de um Rio de Janeiro em constante mutação. 

Se Betty e Domingos são seres urbanos, impregnados pela agitação cultural e social das metrópoles, a naturalista Joan Root só via sentido numa existência junto à natureza. A biografia Na África Selvagem (Zahar, R$ 9,90*), do jornalista americano Mark Seal, é tão fascinante quanto a vida de Joan, filha de ingleses radicados no Quênia. Mais do que o relato sobre a moça tímida que se tornou naturalista, Seal fala da chegada dos colonizadores britânicos ao continente africano. A devastação que os brancos levam ao país foi combatida por Joan antes mesmo de seu casamento com o exuberante cinegrafista Alan Root, um dos mais reconhecidos especialistas em captar imagens da vida selvagem.  Por mais de trinta anos, eles trabalharam juntos  em produções para a BBC até depois da separação. A parceria só se desfez por pressão da nova mulher de Alan Root, o que levou Joan a usar sua notoriedade para lutar pelas espécies animais ameaçadas no Quênia, onde o cultivo de flores para exportação e a caça levou a desintegração social do país e ao enriquecimento de muitos proprietários de terras. Em 2006, ela foi assassinada, como tantos outros naturalistas que se dedicaram à defesa ambiental. 

*A editora Zahar está fazendo uma queima de estoques maravilhosa através de seu site, vendendo diversos livros – quase todos espetaculares – a preço de custo. Vale a pena entrar no site da Zahar e encomendar.