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Quarenta anos sem Torquato Neto


Apesar de divididos em grupos que às vezes pouco se comunicavam entre si, nós, que não éramos da praia dele, sabíamos que o mundo das palavras era de Torquato Neto. Muitos víamos que dele era o mundo dos sons. Muitos críamos que dele era o mundo de todas as virtudes. Muitos sentíamos que nele vivia a pura beleza. Muitos admitíamos inveja por vê-lo em seu mundo de toda suprema riqueza. Muitos sonhávamos que seria dele o mundo das cores mais vivas. Muitos aplaudíamos sua sensibilidade feito a de um cego, sua profundidade feito a de um louco, sua pureza feito a de uma criança, sua sabedoria feito a de um sábio. Muitos cantávamos loas a seu mundo de infinita bondade. Sua força, que víamos como hercúlea, espantava. Seus versos mágicos de poeta nos comoviam. Fazia-nos chorar e nos fazia rir, fazia-nos sonhar sempre com a sua palavra límpida, aquele mágico das palavras. Muitos sabíamos que dele viria o inesperado. Muitos víamos que dele seria o mundo que desconhecíamos. Viria dele, pensávamos, o bálsamo para aliviar nossos males. Vivíamos nele nossos sentimentos profundos. Os mais assustadores arrepios nos vinham instigados por ele.

Demos a ele, sempre, o impensado. Outorgamos soluções à sua palavra de poeta. Impúnhamos, sempre, nossos medos a ele, que seria o dono de toda a coragem. Nós ríamos, nós sonhávamos, nos comovíamos e sofríamos, pois acreditávamos que dele era o mundo da misericórdia. E ele, com aquele olhar doce, tudo haveria de compreender, críamos, firme e ingenuamente. Ele, com alma de só compaixão, nos protegeria. De nós mesmos o poeta nos protegeria. Alguém o poeta genial não protegeu? Ora, tínhamos convicção de que não. Se nele aplaudíamos a sensibilidade suprema de um cego, não viria dele, então, o pecado do descaso. Sua coragem vinda de força hercúlea, como que protegida por um escudo intergaláctico, não nos autorizava a proximidade profana.

Ao poeta a palavra. Com a palavra o poeta que há de nos redimir e consolar. Morre o poeta. Que falta nos faz o poeta. Nasce outro poeta; virá com ele, cremos, o acalanto para nossos medos. E o poeta morto? Sabemos hoje que nunca chorou. Foi-se o poeta. Triste poeta genial! Dose letal de inspiração, angústia e solidão.

Torquato matou-se na madrugada do dia 10 de novembro de 1972, no seu apartamento no Rio de Janeiro. Tirando a própria vida, fazendo-a sucumbir ao gás aberto e letal, ele parecia feliz naquela sua última noite. Deixou escrito um bilhete para aqueles que haveriam de cuidar de seu filho: “Vocês aí, peço o favor de não sacudirem demais o Thiago. Ele pode acordar”.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4