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Os tempos de exclusão e inadequação


É esta complexidade que Celeste Ng aborda em Tudo o que nunca contei (Intrínseca, R$ 44,90) um thriller ambientado numa cidade do interior de Ohio, nos anos 1970, em que uma família tenta se adequar ao sonho americano. Um professor universitário descendente de chineses não consegue se empregar em Harvard, apesar de seu brilhantismo. A mulher, que pretendia seguir carreira como médica, abandona os estudos para cuidar dos filhos, que são estimulados a estudar incessantemente, galgando o fosso étnico que os separa de uma comunidade eminentemente branca. Lydia, de 16 anos, desaparece numa madrugada sem qualquer razão aparente para os pais e irmãos, que descobrem, então, o quanto ela criou um mundo fictício para evitar lidar com os preconceitos raciais. O corpo da adolescente é encontrado no lago próximo à casa e as investigações concluem que ela pegou um barco, sozinha, para passear durante a noite.

Ao buscar as razões para a morte acidental da jovem, Celeste Ng apresenta as decepções de um grupo unido por laços de sangue, mas totalmente imbuído do espírito individualista e competitivo do american way of life. Em seu romance de estreia, ela, filha de cientistas, que cursou Harvard, fala de uma época em que a política de integração engatinhava, embora outros autores mostram o quanto ainda permanecem utópicas as relações igualitárias. Um dos últimos livros do sociólogo Zygmunt Bauman, Estranhos à nossa porta (Zahar, R$   44,90) trata das reações contrárias à migração de refugiados nos países europeus. A questão humanitária é deixada de lado pelo temor da perda de empregos e qualidade de vida diante da chegada da “concorrência estrangeira”. Os refugiados são apontados como culpados pelos problemas econômicos de nações que, muitas vezes, progrediram graças à importação de produtos a preços baixíssimos e da exploração de trabalho semiescravo. Bauman, que morreu em janeiro deste ano, dias antes da posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos, lamenta a ascensão de ideologias conservadoras que pregam a exclusão dos cultural e etnicamente diferentes e não apenas pelo empobrecimento intelectual que essa separação causa, mas, principalmente, pela dissolução de valores morais de compaixão e caridade.

Nascida em Gana e criada no estado norte-americano do Alabama, Yaa Gyansi recebeu o prêmio PEN/Hemingway de melhor estreia literária em 2017 por O caminho de casa (Rocco, R$ 54,50), uma saga de histórias interligadas de duas irmãs e sete gerações de seus descendentes. Ma das irmãs é casada com o governador britânico em Gana, no século XVIII, enquanto a outra acaba escravizada e levada para as plantações e minas de carvão da América do Norte.  Filhos e netos das duas irmãs crescem em diferentes lados do Atlântico, desconhecendo a realidade dura em qualquer um dos dois continentes, buscando o reconhecimento pessoal em sociedades que demoram a se abrir para resgatar o papel do negro em sua construção.