Loading...

Os causos musicados de Paulo Freire


Grande inventor e contador de causos, Paulo Freire resolveu não apenas narrá-los, mas criar músicas para embalá-los. E assim, histórias saborosamente mineiras têm como trilha sonora a sua viola. São seis causos cantados, além de sete números instrumentais.

Para iniciar, “Quadros do Urucuia” (domínio público – adaptação de Paulo Freire). Tendo apenas a viola, Paulo Freire mostra dedos ligeiros e cordas firmes que embalam como poucos o rasqueado.

Com sua voz de cristal, lapidada com esmeril de afinação, Ana Salvagni canta “Alto Grande” (Paulo Freire), a história das mulheres dos vaqueiros que se punham a esperar pelos maridos que traziam as boiadas. Longe de mostrar mulheres submissas, a letra revela a realidade da vida de quem vive da espera: Meu amor volta ligeiro/ Não me empurra pro pecado.

“Fé” (Léa Freire) é um instrumental tocado apenas por Paulo na viola. O som que ele tira tem a capacidade de ser ao mesmo tempo urbano e interiorano. Arpejos e dedilhados se multiplicam.

Para cantar “A Cobra e a Onça” (Manoel de Oliveira), Freire conta com a participação do craque Maurício Pereira. Em dueto de terças, eles falam da porfia entre a cobra e a onça. Bateria, percussão e baixo lhes dão o chão para a embolada e para o ponteio da viola.

“Bom Dia” vem cantada pelos seus autores Swami Júnior e Paulo Freire. Os versos ora estão com um ora com o outro, acompanhados de bateria, baixo e violão de sete. O sete e a viola, íntimos, dialogam alegremente. Até que, no delicioso refrão, o suingue vem com fé.

O CD fecha com uma suíte de três canções: “Causo do Angelino” (Paulo Freire), “Enquanto o Trem Passava” (Benjamim Taubkin) e “Tristezas do Jeca” (Angelino de Oliveira). Enquanto Freire conta o causo, Taubkin toca piano: numa viagem de trem, Angelino de Oliveira e sua família aguardam a baldeação para Botucatu. Na plataforma, assobiando uma bela canção, um carregador leva as malas. A família dele se aproxima. Freire toca “Tristezas do Jeca” na viola. Angelino pergunta ao homem se ele sabe de quem é aquela música. “Claro que sei, é de Angelino de Oliveira, um caboclo bom lá de Botucatu”. Emocionado, Angelino se apresenta e desata a chorar. O carregador, então, revela que aquela música o acompanha dia e noite, e também cai no choro. Ali eles percebem a “intensa glória de ser feliz”.
A simplicidade é a força de Paulo Freire. Nela ele se fortalece, dela nasce sua música, por ela sua viola chora brasilidade.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4


PS. Sem Oscar Castro Neves, a música empobrece e a alma entristece. Descanse em paz, querido amigo, músico de nobreza incomparável.