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O talento que aponta caminhos


Presente (Dubas) encontra Delia num momento de maturidade em sua profícua carreira. Suas harmonias refletem as experiências musicais da artista postas em prática desde o Duo Fênix, formado com o também pianista Claudio Dauelsberg. Sua voz soa singela, afinada, pronta para apurar melodias plenas de soluções da mais absoluta imprevisibilidade. Qualidades estas que, aliadas à sua impecável técnica de pianista, dão ao disco uma unidade que o torna um trabalho consistente."Vozes do Mar" (Delia Fischer e Thiago Picchi) começa com um vocalize e o piano de Delia que, com leve percussão (Sebastian Notini), embalam versos de fina singeleza. Cantam juntos, até que, para finalizar, voltam o canto e o piano de Delia. Em "Das Plantas" (Delia e Thiago), Hermeto Paschoal está, como sempre, genialmente jovial - sua escaleta, seus vocalizes e o som que tira de um prosaico copo d'água dão picardia ao samba. A bateria (Márcio Bahia) suinga com o cello (Luciano Correa). A programação (Marion Lemonier) cria a cama onde Delia deita e rola em duo consigo mesma. O som da escaleta de Hermeto, soprado enquanto soma sua voz a ele, improvisa e leva todos ao final.  Em "Aluvião" (Delia e Sérgio Natureza). O violão de Ricardo Silveira reluz em solos requintados. A percussão ressoa. Pedro Mibielli (violino), cujo som lembra o de Jean Luc Ponti, Pedro Guedes (violão de aço) e o cello dão às cordas a puxada que permite a Delia brilhar, mais uma vez, em duos e solos.Em "Das Águas" (Marcio Bahia), um quarteto vocal (no qual Delia Fischer pontifica em meio a três vozes (masculinas) se junta dentro de uma piscina para vocalizes, como "Aqualoucos" musicais, enquanto se vale da água para percutir sons tão originais quanto inesperados."Araçagy" (Delia) é o tema instrumental de Presente. Nele estão apenas bateria e piano. As peles da bateria (Marcio Bahia) puxam um samba arisco; logo os pratos são tocados. O piano (Delia) pulsa irrequieto, à la Egberto.O piano, a voz e os vocalizes de Delia se somam ao violão de doze cordas de Egberto Gismonti para tocar "Presente" (Delia e Thiago). Ora delirante, ora exuberante, o som do violão lembra um bem-te-vi ciscando alpiste espalhado pelo chão do quintal.O piano de Delia faz suave introdução para Ana Carolina cantar a belíssima "Flor da Noite" (Delia e Thiago). Com timbre grave e contido, sua delicada interpretação poderá surpreender quem achava que já sabia de tudo o que a cantora é (muito) capaz.Presente é sonoridade clássica em meio às utopias da inventividade de Delia Fischer; é a festa pela comunhão que se dá pela música.Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4