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O show tem que continuar


Ninguém deveria escrever ou contratar um ghost writer para produzir uma “autobiografia” antes dos 60 anos. Existem vidas breves que merecem registros bastante extensos. Escritores românticos como Arthur Rimbaud, talento precocemente revelado aos 14 anos, Percy Shelley, que morreu aos 30 anos, Lord Byron, morto aos 36, todos se envolveram em escândalos e tiveram existências pouco convencionais que até hoje são dignas de curiosidade. A genialidade criativa de Mozart, a criação do bebop, gênero do jazz, por Charlie Parker, a angústia de Sylvia Plath, gente brilhante que se foi cedo demais, sem contar políticos de curta passagem pela terra.


Sem fazer qualquer juízo de valor sobre a qualidade artística da autora, talvez não fosse este o momento para a cantora Britney Spears lançar A mulher em mim (Buzz, R$ 119), em que traça sua trajetória desde criança até conseguir judicialmente livrar-se da curatela do pai, há dois anos. Entre os lamentos pela frieza da família em relação a quem os sustentava, a cantora se apresenta como vítima de muitos que atravessaram seu caminho. Um dos vilões é o ex-namorado Justin Timberlake, que a induziu, diz a cantora, a fazer um aborto aos 19 anos.


Parte das queixas de Britney são mais do que justas: foi realmente explorada pela família, trabalhou exaustivamente a partir da infância, sofreu perseguição implacável da imprensa, teve que mostrar o corpo de forma que homem algum precisou, além de ser internada em clínica para desintoxicação, embora garanta que não tomava qualquer droga fora as que eram prescritas por médicos contratados pelo pai. Com tais elementos, o enredo do misery book já estava bem traçado. No entanto, ele se perde em reclamações pueris, como a indiferença da irmã mais nova quanto a seu sofrimento.


Sim, a artista comeu o pão que o diabo amassou, porém falta ao texto o olhar maduro de uma quarentona transgressora, que, vinte anos atrás, durante uma noite de farra, em Las Vegas, casou-se com um amigo para anular o enlace dois dias depois por imposição dos pais.


O incidente passa apenas como uma “brincadeirinha”, quando Britney poderia ter aproveitado para analisar por que a namoradinha da América desrespeitou a sagrada instituição do casamento oficiado por um clone de Elvis Presley. Na sociedade do espetáculo, ter morado na mesma casa que o adolescente Justin configura apenas um namoro, já que faltou um documento oficializando a relação.


Uma das poucas observações maduras de Britney é a cobrança sofrida pelas mulheres. É responsabilizada pela separação de Timberlake, que costumava se relacionar com outras jovens quando moravam juntos. Jornalistas perguntavam mais sobre seus figurinos e seu corpo do que a respeito da qualidade de sua música.


O novo sucesso da menina bonita nascida e criada no sul dos Estados Unidos é incontestável. Quatro dias depois do lançamento mundial, o livro entrou para a lista de mais vendidos de diversos países, estando em primeiro lugar nos EUA, e em segundo no Brasil. Já o ex-Timberlake teve manchada a imagem de bom moço e, diante da revolta dos leitores pelas revelações de Britney, cancelou a seção de comentários em sua rede social. Seus assessores devem estar planejando uma admissão pública de culpa que poderá redimi-lo sob os refletores, bem ao gosto do show business.