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O sexo, a cidade e o escrevinhador


Socialista na juventude e, na maturidade, candidato à presidência do Peru por um partido de direita, derrotado por Fujimori, então representante da esquerda, Vargas Llosa poderia ter composto apenas uma sátira para se vingar do desafeto político - e também dos tabloides que o perseguem desde que começou a namorar a ex-mulher do cantor Julio Iglesias. Acostumado a escândalos, ele está. Seu primeiro casamento, aos 23 anos, com uma tia por afinidade, inspirou o divertido Tia Julia e o Escrevinhador. Depois de se divorciar de Julia, quinze anos mais velha que ele, casou-se com uma prima, Patrícia, mãe de seus três filhos e pivô do rompimento da amizade com o colombiano Gabriel Garcia Márquez, carregou para o túmulo o motivo da desavença e do soco que Llosa lhe deu, em público,  durante um encontro de escritores no México. A recente separação de Patricia tem feito a alegria das revistas de celebridades espanholas e peruanas – e é uma dessas publicações que está por trás de todas as tramoias de  Cinco Esquinas.

A guinada ideológica de Vargas Llosa não o cegou para as discrepâncias sociais de seu país. Enquanto a burguesia peruana se fortalece economicamente e apoia o governo pelo combate aos grupos terroristas Sendero Luminoso e Tupac Amaru, a sobrevivência é árdua para os trabalhadores em geral, incluindo a equipe da revista Realidades, chefiada por um crápula especializado em derrubar as carreiras de quem não cede a suas ameaças de chantagem. Se a população tem que obedecer ao toque de recolher todas as noites, a imprensa é livre para publicar atrocidades, enxovalhando livremente reputações dos que recusam-se a pagar caro para não terem segredos expostos. Um dos personagens é o antigo homem forte de Fujimori, Vladimiro Montesinos, que aparece como chefe de uma milícia secreta e à frente da rede de corrupção que manipula empresários e políticos.  A hipocrisia de quase todos os personagens é praticamente uma filosofia de vida: as duas amantes não admitem a possibilidade de serem traídas pelos maridos, o governo forte tortura e mata em nome da guerra ao terror, a extorsão sustenta jornalistas. Contrabalançando a apreensão generalizada do povo sob um regime de exceção está a tranquilidade dos burgueses, que passam fins de semana em Miami para se distraírem do temor de sequestros.   

O convívio entre opulência e miséria é constante em Cinco Esquinas, nome de uma região de um bairro de Lima, onde casarões que um dia abrigaram embaixadas estão em ruínas, numa metáfora clara sobre o empobrecimento moral de uma sociedade decadente. Apesar do melancólico olhar crítico sobre o passado recente, não falta humor no texto vibrante de Llosa, que ainda sabe, como poucos autores, manter o leitor em suspense até a última página. Difícil é deixar o livro de lado para voltar à vida.