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O fogo de Maria Alcina


Recém-chegada ao Rio de Janeiro, vinda da sua Cataguases, Maria Alcina foi vista em 1972 por Solano Ribeiro, o diretor geral do VII Festival Internacional da Canção Popular. Entusiasmado com o jeitão delirante e a voz aloucada, gutural e grave daquela mineira, Solano, já antevendo o sucesso que ela faria, convidou-a para participar. O seu desempenho em “Fio Maravilha” foi arrasador, tornando a música de Jorge Ben vencedora da parte nacional do certame.

Maria Alcina, a cada aparição, tornava-se mais popular. Mas, infelizmente, deu-se com ela o que já aconteceu (e continuará acontecendo) com inúmeros outros colegas de profissão: veio o ocaso, o quase esquecimento. Como se um silêncio pesado cercasse quem perde a popularidade e uma nuvem pesada teimasse em acompanhá-lo. Só que o esquecimento e o ocaso são enganosos – um artista popular e querido nunca se deixa apagar, ele vive na memória dos que um dia o acompanharam.

Daí a importância histórica de De Normal (Bastam os Outros). Mostra que Maria Alcina continua uma intérprete igualzinha àquela que sempre foi. Além disso, dá a oportunidade aos que a conheceram de curti-la novamente, e aos que nunca a escutaram, mas dela ouviram falar, de comprovar os elogios feitos a ela.

Com direção musical de Rovilson Pascoal, um pequeno grupo de instrumentistas se encarregou do acompanhamento das doze faixas selecionadas para o álbum. Arranjos enxutos, criados na medida para deixar fluir a histrionice de Alcina.

Como o disco é de festa, lá estão composições feitas especialmente para ela por convidados ilustres. Destes, Zeca Baleiro é o que se sai melhor na missão, com “Eu Sou Alcina”. Arnaldo Antunes compôs “De Normal”, mas a canção não faz jus ao seu talento e pouco acrescenta ao CD além de emprestar-lhe o nome. Outra que pouco oferece ao álbum é “Cocadinha de Sal”, de Karina Buhr.

Na verdade, Maria Alcina dá show quanto canta músicas que têm naturalmente a sua cara, e nem tanto quando canta as que imaginam que teria o seu jeitão. “Bigorrilho” (Sebastião Gomes, Paquito e Romeu Gentil), com participação especial de Ney Matogrosso, é o melhor exemplo disso: juntos eles se divertem e arrasam. Maria é também mais Alcina ao cantar a letra com duplo sentido de “Concurso de Bicho” (Anastácia e Liane), ou ainda “Segura Esse Samba” (Oswaldo Nunes) e “Fogo de Morena”, um carimbó de Felipe Cordeiro.

Exibida que só ela, seu cantar tem o poder de uma sereia camaleônica, cuja voz tanto pode lembrar a de Clementina de Jesus quanto a de Ney Matogrosso. Com fogo na bacorinha, Maria Alcina é uma mulher dionisíaca. Cantora assim não se esquece, aplaude-se.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4