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No paraíso das traças


A imagem de acolhimento e conforto entre os livros tem sido bastante explorada pela ficção contemporânea, com diversos títulos mencionando livrarias/bibliotecas. O ambiente favorito das traças — cenário frequente de filmes de suspense, mistério, terror e feitiçaria — surge como espaço de redenção da mente, ponto de encontro de almas angustiadas ou entediadas, cujo engrandecimento espiritual é impulsionado pelos ensinamentos de volumes ancestrais. Bem-vindos à Livraria Hyunam-dong (Intrínseca, R$ 49,90), da coreana Hwang Bo-reum e primeiro título do segmento ficção de cura lançado pela editora Intrínseca, traz todos os elementos dessas narrativas que apontam esses locais originalmente escuros e empoeirados como inspiradores para mudanças de rota na vida.


A trama é simples: uma mulher cansada da mesmice decide abrir um negócio próprio, descobrindo que amar a literatura não é suficiente para torná-la uma livreira bem-sucedida. A primeira providência para atrair clientela é montar uma área para café. A troca de experiências com os frequentadores cria um ponto de reunião de pessoas diferentes, prontas a unirem suas solidões. O romance de estreia de Hwang, uma engenheira especializada em computação, vendeu 250 mil exemplares somente na Coreia do Sul em um ano, tendo direitos adquiridos para comercialização em mais de vinte países.


Há quase dois anos nas listas de long-sellers de ficção no Brasil, A biblioteca da meia-noite (Bertrand Brasil, R$ 43,90), do inglês Matt Haig, teve mais de dois milhões de cópias vendidas no mundo, desde seu lançamento na Inglaterra, em agosto de 2020. Depois de perder o emprego e ver seu gato de estimação morrer, Nora Seed decide se suicidar, mas é levada para a biblioteca de sua cidadezinha, onde encontra a bibliotecária com quem conversava, em criança. Começa então a experimentar a vida que teria se houvesse tomado decisões diferentes, afastando-se do destino comum e sem grandes sobressaltos que escolheu, entendendo o que ganharia e perderia caso seguisse carreira como atleta ou artista, seus sonhos de infância e juventude.

Publicado em 2019 na França, O mistério Henri Pick (L&PM, R$ 45,90), de David Foenkinos, tem na estranhíssima biblioteca de originais recusados por editoras o cerne de um thriller divertido e instigante, que satiriza o mercado editorial com reviravoltas constantes num livro para amantes da leitura. Não existe qualquer lição de bem-viver no romance, mas alusão a tantos escritores que a capa deveria trazer a recomendação de que o livro só deveria ser aberto por quem conhece rudimentos da literatura contemporânea. Uma jovem editora lança um desses manuscritos rejeitados, encontrado na biblioteca da cidadezinha de Crozon, na Bretanha. Intrigado com o escasso conhecimento literário do falecido Henri Pick, um dono de pizzaria apontado como autor do romance, sucesso de crítica e público, um jornalista decide investigar a autenticidade do texto. Recheado de observações sobre literatura e escritores, O mistério parte de uma ideia do escritor norte-americano Richard Brautigan, concretizada após sua morte, em 1986, por iniciativa de um fã, que abriu a Brautigan Library, em Vermont, no estado norte-americano de Washington. E também traz um jornalista xereta, que tem obsessão em descobrir a identidade do autor do best-seller, bem parecido com o repórter italiano que, em 2016, anunciou para o mundo que a tradutora Anita Raja seria a escritora que usa o pseudônimo Elena Ferrante. A comprovação da identidade estaria no patrimônio imobiliário adquirido por Raja e seu marido, o escritor Domenico Starnone, depois do sucesso dos livros de Ferrante.