Loading...

Namorando o futuro


Uma olhada na contracapa já responde a pergunta quanto ao repertório: são onze canções de gêneros variados, algumas conhecidas; outras, não. Tudo sugere uma seleção de bom gosto.

“A Lua Girou” (Domínio Público). Ouve-se uma voz doce e afinadíssima cantando a capella. Mas o que é isso, meu Deus? Por um momento torci para que ela seguisse sem nada que interferisse naquele momento sublime. Mas eis que surge o violão tocado por Sérgio Farias (também arranjador e diretor musical do disco). A leve decepção logo dá lugar ao deleite: o instrumento soa como a voz da intérprete, cristalinamente. Congas (Antônio de Pádua) e percussão (Sami Tarik) vêm de mansinho e se juntam ao violão para criar grandes momentos.

“A Vida do Rio” (Simone Guimarães e Virginia Amaral). O acordeom (Zé Hilton) inicia, tendo a percussão a ampará-lo. A bateria (Di Steffano) e o baixolão e o violão (Sérgio Farias) dão malemolência ao arranjo, que recebe a voz de Lysia com toda a pompa.

“Corta-Jaca” (Chiquinha Gonzaga e Machado Careca). Os violões de Farias e Jow Ferreira tocam a introdução. A flauta (Carlos Zens) chega com o ritmo. Brejeira, Lysia arrasa. Lindo.

Fica claro, então, que tenho nas mãos um CD feito para acarinhar as canções, dando-lhes o cuidado que só se concede a quem muito se ama. Voz e instrumentos unidos na altiva missão de dar provas à música de que quanto mais a reverenciamos, mais ela nos retribui com belezas.

O acordeom começa. Lysia Condé canta o fado “Enigma”, de autoria de Miltinho e Magro (quanta saudade, companheiro!). Um nó aperta minha garganta. Miltinho canta alguns versos, numa emocionada participação. O nó segue apertando... A música é linda – eu a ouvia enquanto meus amigos a concebiam.

 “Flor Amorosa”. O clássico de Catulo da Paixão Cearense e Joaquim A. Callado é a possibilidade de constatarmos que Lysia Condé está pronta para ter seu nome incluído entre as grandes.

“Contrato de Separação” (Dominguinhos e Anastácia), outro grande momento do álbum. Linda é a forma que Lysia a canta. Emocionante.

“Ana Bandolim” (Tico Costa), “Primeiro Olhar” (Sérgio Farias e Cristina Saraiva) e “É Brincadeira” (Carlos Newton Júnior e João Salinas) são canções que parecem compostas para a tessitura vocal de Lysia, feita de pura seda.

“Duerme Negrito” (Domínio público), já gravada por Mercedes Soza, tem versão personalíssima de Lysia, assim como o arranjo.

“Mais de Um”, o baião de Eduardo Gudin e Cacaso fecha o disco. Está aberta a porta para que por ela passe Lysia Condé: mansamente, como o rio lava o leito; deleitosamente, como o leite que gruda no tacho; sutilmente, vendo o futuro que pisca para ela.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4