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Libertos e criativos


Para tocar junto, logo perceberam que não valiam as certezas; vislumbraram que a criatividade necessitava que sentissem, um no outro, apoio para a digressão, para a inventividade. Soltaram-se e criaram – reinventaram-se. O resultado é uma sonoridade especial, vinda pelas mãos de quem se dá ao desapego pelo já testado e pela audácia na busca do insólito.

“Criação de Bicudos” (Fernando Moura) é a primeira faixa. O piano toca o tema, muito bem concebido pelo autor, aliás, e usa e abusa dos improvisos. A percussão segura as pontas. A percussão sola e improvisa. O piano volta... Íntegro, o duo expressa múltiplas soluções musicais. lindo começo.

Tamborins e piano iniciam “Armando’s Rhumba”, clássico jazzístico de Chick Corea, e uma ótima escolha de Ary e Fernando. Tumbadoras acaloram o ritmo. Sem elas, o piano sola e improvisa. Voltam as tumbas e a levada contagiante. À percussão ainda cabem dois curtos intermezzos.

“Pedra do Leme” (Fernando Moura) é a quarta faixa. Arrítmico, o piano inicia. Um discreto triângulo dá a pala de que o ritmo logo se intensificará. Bela é a melodia. O piano sente a percussão chegar e, com notas dedilhadas, prosseguem juntos.

A quinta faixa é “Tudo Piano”, de Fernando Moura. O piano percute, a percussão soa. O piano sola. A percussão varia suas possibilidades. Quase lírico, o tema é sincopado. O ritmo ganha força. Tornando a percutir as notas, o piano segue com a melodia...

Um ponto de candomblé, “Afro Bebê” (Ary Dias e Fernando Moura) é a única música com letra no disco. Cantada por Ary, arrepiando na percussão, o piano de Fernando volta a percutir as notas, somando-as à percussão e improvisando sobre o tema. O canto volta. A harmonia é recriada.  A repetição do desenho do tema contagia. O piano se solta...

“CosmeDamião” (Ary Dias e Fernando Moura), tema que empresta o nome ao CD, é a melhor música do álbum. O piano, tocando notas graves, e a calimba trocam ideias. O ritmo se achega. O piano toca suave. Cuíca e tamborim se revezam em rica sonoridade. O piano torna a se achegar para solo e improviso. A cuíca está presente...

“Água de Beber” (Tom Jobim e Vinícius de Morares) é outra boa sacada do duo. Dando-se a uma música bastante conhecida, Fernando e Ary possibilitam ao ouvinte uma melhor percepção daquilo que são capazes de bem tocar.

E assim é. CosmeDamião está impregnado por um som distante daquele que seria possível imaginar e esperar ouvir de um duo de piano e percussão. Recursos harmônicos, melódicos e rítmicos surgem inesperados, incomuns, dando-lhes sabor de coisa nova, despertando a curiosidade experimentada diante do inesperado.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4