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Leituras olímpicas


Essa cumplicidade eu descobri anos atrás, quando pude compartilhar o sorriso da experiência dos leitores de O Morro dos Ventos Uivantes (Zahar, R$ 69,90), que ganha edição comentada na excelente coleção Clássicos Zahar. Lançado há quase 200 anos, o único romance da inglesa Emily Brontë traz a história de um amor proibido, quase incestuoso, trágico, que se alimenta da destruição de quem tenta interferir no desarranjo romântico entre a jovem herdeira Catherine e seu irmão de criação, o agregado Heathcliff, obstinado em mostrar seu valor pessoal para ter lugar na sociedade que o rejeita. A ascensão financeira de Heathcliff, no entanto, não lhe garante o casamento com Catherine – e os dois permanecem infelizes até a morte.

Emily Bronte morreu aos 30 anos e teve sua obra lapidada pela irmã – e também escritora – Charlotte, que sempre afirmou ter apenas corrigido a pontuação no texto original. O isolamento de Heathcliff, sua absoluta misantropia, aparentemente, teve inspiração no temperamento do pai das irmãs Brontë, um pastor que viu morrer todos os filhos e a mulher – o que talvez explicasse seu comportamento. Heatcliff é mais do que um esquisitão muito grosseiro. É o homem pobre, complexado, que se debate contra uma sociedade segregacionista, que jamais admira o trabalhador obrigado a lutar para se sustentar, apenas o aceita e se aproveita de sua fortuna. Catherine não precisa provar seu valor pessoal. Já nasceu encantadora e admirada, muito acima das exigências impostas a Heathcliff, que se vinga de todos ao enriquecer, casando-se com a cunhada de Catherine, uma mulher educada, que não resiste aos maus tratos. Uma nova geração de filhos dos protagonistas surge para repetir a história, redimindo, porém, os erros dos pais.

A junção do ambiente sombrio com personagens arrebatadores transformou O Morro dos Ventos Uivantes no clássico que até hoje provoca reações diversas nos leitores. Não é um água-com-açúcar, fica longe do estereótipo de romance feminino, não tem sexo, mas fala de desejo e de paixão sem qualquer insinuação erótica. Heathcliff e Catherine convivem em perpétua tormenta. Eles precisam obedecer às convenções, das quais são prisioneiros, ainda que demonstrando absoluto desprezo pelo meio social. É nessa mesma sociedade estática que circulam os personagens de Belgrávia (Intrínseca, R$ 49,90), de Julian Fellowes, criador da série Dowton Abbey. Situado na Londres de 1840, o romance mostra as primeiras tentativas de integração dos novos ricos à aristocracia britânica, que mora em palacetes edificados por construtores que fazem fortuna com suas obras, porém não são admitidos na alta sociedade. O tema já havia sido abordado por Fellowes, com olhar ferino, em Esnobes (Fábrica 231, R$ 49,50), publicado nos anos 2000, que só agora chega ao Brasil. Os novos ricos já são tolerados pelos aristocratas, desde que adotem um comportamento discreto e se contentem com uma vida que gira em torno das mesmas pessoas. O mundo muda muito lentamente.

A coluna entra em recesso olímpico e volta depois dos Jogos, tentando manter corpo e mente sãos. Até setembro!