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Indo além


A produção coube a Marcio Arantes, ele que também fez alguns dos arranjos e, dentre outros instrumentos, tocou baixos acústico e elétrico e guitarras de seis e 12 cordas. Há também arranjos escritos por Gui Amabis e por Tiago Costa – os demais foram criados coletivamente – e participações especiais de Arnaldo Antunes e Marcelo Jeneci.

Louvo os que, indo além de seu tempo, geram belezas nunca vistas. Também louvo os que nos levam a altas viagens sonoras, trilhando quimeras ilusórias, quase inalcançáveis. Louvo a música e louvo os músicos que exprimem a emoção por meio de seus instrumentos e vozes. E feito Gilberto Gil, eu também “Louvo o amor que espanta a guerra”.

E são justamente elas, as belezas ainda desconhecidas, que vêm aos borbotões, quase nos afogando com seu sensível conteúdo. Por tamanha riqueza, este conteúdo devemos ouvir com o coração aberto, permitindo que nos inunde a alma e traduza emoções ainda anônimas.

A voz de Ná Ozzetti vai além do limite: agudos lhes saem da garganta afiados e afinados como uma gilete, cujo corte rasga a pele sem que percebamos; a sensibilidade com que divide as frases melódicas é uma adição da técnica ao sentimento. Sua emoção aflora a cada frase; sua respiração expõe o seu cantar, desnudando-o.

Wisnik é um musicista da linha de frente do modernismo paulista. Sua visão musical é tão larga, quanto larga é a sua produção cultural. Suas composições destacam-se pela pluralidade poética e harmônica.
Para iniciar, duas músicas entrelaçadas, quase xifópagas: “Gardênias e Hortênsias” e “Subir Mais”, ambas de Zé Miguel e Paulo Leminski. Ná começa o canto a capella. Logo a bateria puxa a levada para o pop. Seguindo, Ná e Zé cantam juntos... bela abertura.

“Noturno do Mangue” (Zé sobre poema de Oswald de Andrade). Traz arranjo de Letieres Leite para metais e a participação sempre eloquente de Arnaldo Antunes, cuja voz grave e apaixonada tem aloucado encanto. Seu duo com Ná é belo, como belos são os versos oswaldianos.

“Momento Zero” (Zé Miguel) tem Ná com sua voz cristalina e bonitos versos: Instante mudo/ No instante mudo/ Sem razão/ nem raiz/ Nada te peço/ Nem te confesso/ Somente estou aqui.
Por fim, “Louvar” (Zé Miguel sobre poema de Cacaso): Me dá licença de cantar/ Também de agradecer/ Coragem pra querer/ Um verso pra louvar/ Louvar a gente do lugar/ Louvar quem vai nascer/ Quem vai permanecer/ Também quem vai passar.

Após ouvi-los cantar, louvo Ná e louvo Zé, eles que me arrepiam da cachola ao pé. Louvo a música que queima a alma – e por quê não, ué? –, mesmo que não definamos exatamente o que ela é.


Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do mpb4