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Cordas enlaçadas


Para seu primeiro CD, Duo Calavento (independente), escolheram quinze temas eruditos e populares.

Toda música flui pelas mãos do Calavento. Para melhor entendê-la, imaginemos um trem mágico indo sertão adentro. Da janela vê-se uma sucessão de imagens fantásticas que se transmutam em vertiginosa sequência: girassóis em meio a falésias rochosas; matas espetadas no alto de morros íngremes cujas curvaturas o trem terá que descer, mas não sem antes o maquinista fazer soar o apito, quase um uivo medroso, pedindo freio; canavial e cachaça da boa; cafezal que exala o cheiro do cafezinho recém-passado no coador; moleques com bandejas onde está o cuscuz fresquinho; calor e frio; ruído e silêncio.

Assim é a música do Duo Calavento – visual, imagética, calorosa, plena de sabor, intrigante, forte, instigante –, que entra pelos ouvidos e remexe com os sentidos, desde os mais primários até os mais solidificados.

O violão e o violino interagem solidários. Quando juntos, um fortifica o outro; solistas, um ampara o outro. A afinação é perfeita. A pegada é viril. Enlaçados por suas cordas, fazem da música um dom sublime.

Como praticamente não há concertos escritos especificamente para violão e violino, Diogo e Leonardo se incumbiram das transcrições das peças clássicas escolhidas para o repertório. Somadas a essas, há também quatro composições da dupla, para as quais elaboraram os arranjos.

Assim, Piazzolla se junta a Tchaikovsky, Erik Satie, Gabriel Fauré e Debussy, enquanto Tom Jobim está ao lado dos temas brasileiros criados pelos moços do Calavento.

“Janela do Sol” (Leonardo Padovani e Diogo Carvalho) abre o disco. Violão e violino se desdobram em frases e contrapontos. Balançada.

“Rêverie” (Claude Debussy), composta para piano, tem bela transcrição, na qual se destaca o violoncelo de Raiff Dantas Barreto.

Dois grandes momentos do CD são o duo interpretando “Gnossienne”, de Satie, na qual Padovani toca erhu, instrumento de duas cordas também conhecido como violino chinês; e “Après un Rêve”, de Fauré, obra lindíssima e muito bem interpretada pelo Calavento. Isso sem falar de “Bangzália” (Tom Jobim),  da trilha da minissérie para TV “O Tempo e o Vento”, quando a brasilidade se faz universal. “Ponte das Cordas” (Padovani e Carvalho) é outro instante em que o som do violino e do violão se dá o direito de ser soberbo.

Assim, a ponte entre o erudito e o popular é iluminada pelas cordas tocadas com maestria por Leonardo Padovani e Diogo Carvalho, o Duo Calavento.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4