Loading...

Casa de portas abertas


A voz de Consuelo de Paula é nasalada, às vezes quase gutural, o que imprime às canções uma boa dose de angústia e dramaticidade, dando-lhes a teatralidade que faz da cantora uma intérprete diferenciada.

Para tocar as canções, 11 com letra e uma instrumental, os nove músicos da orquestra curitibana À Base de Cordas se valeram de arranjos escritos por diversos arranjadores. Estes, por sua vez, deitaram e rolaram com as possibilidades sonoras que lhes eram oferecidas: violão de seis e de sete cordas, violino, baixo, baixolão, piano, viola caipira, bandolim, percussão e bateria.

A opção de diversificar as concepções orquestrais se mostrou altamente eficiente. Pois se cada arranjo produz um som característico, fruto dos instrumentos selecionados, o resultado de cada um saiu inteiramente distinto do outro, já que cada maestro usou-os à sua maneira. A criatividade individual fez com que o som de instrumentos iguais soasse diferente.

Consuelo tem a verve da poesia. Escreve letras como se fossem cartas confessionais, movidas a métrica musical e profundidade emocional. A cada verso, um achado; a cada rima, intenções segundas e primeiras: A palavra soa sincera/ Os segredos choram sozinhos são versos de “Espera”. Com arranjo de Chico Saraiva, é uma das mais belas canções do CD. A viola, o bandolim e o violão tocam a introdução. A voz de Consuelo chega com o piano. Ambos vêm delicados. A canção ganha ritmo, puxado por levíssima percussão. Piano e violino agora tocam de modo arritmo. Volta a voz.

“Fé”: o arranjo de João Egashira começa com o surdo e a cuíca marcando. O samba vem com bateria, violino e bandolim. O ritmo carrega o piano. A cuíca segue, o violão de sete chama... Consuelo ginga.

Dentro do farol/ Dentro da canção derradeira/ Volto ao coração/ Luz primeira constituem versos de “Réquiem”. O arranjo de Dante Ozzetti vem de violão, piano e violino. A luz que alumia a saudade do parceiro que se foi vem à tona. Consuelo se entrega ao adeus. Um intermezzo, baseado no chorar do violino, torna a dor funda, mas bela. Tudo conspira para a despedida se consumar, amparada na força da melodia e dos versos. Outro bom momento do disco.

Para encerrar, “Estrela”, num arranjo de Luiz Ribeiro. Consuelo escolheu deixar o silêncio falar pelas as palavras. E a orquestra À Base de Cordas é chamada a mostrar sua excelência. O som instrumental é pleno de belezas.

As portas da Casa de Consuelo de Paula estão abertas para quem quiser se sentir em sua própria casa. É como se o som brotasse ao pé do fogão de lenha e a poesia viesse envolta no aroma do café recém-coado. Tudo o mais fica por conta do fogo que resta na alma, ao final da audição do disco.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4