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Canto de ultramar


Partindo da ideia de buscar nas canções do lendário Clube da Esquina mineiro a chama que avivaria sua voz suave, chegando à definição de repertório, tudo navega em mar de almirante. Músicas marcantes e bastante conhecidas ganharam nova força na interpretação dessa brasileira nascida em Portugal. Ou seria uma portuguesa nascida no Brasil?Pela voz de Eugénia Melo e Castro, a música brasileira assume sua face lusitana e a canção portuguesa avoca para si o som da brasilidade – como se clareando que fado e samba são consanguíneos. Minas Gerais e Lisboa unidas na mesma carta geográfica.Eugénia sabe a música brasileira; por isso, mesmo com sotaque, ela canta “em brasileiro”. Suas divisões têm um jeitinho bossanovista encantador e tudo resulta na alegria de vermos que temos diante de nós uma cantora do mundo – como se fosse uma Nara Leão rediviva.  Com produção e arranjos do violonista Robertinho Brant, tudo começa com a música que dá título ao álbum, “Um Gosto de Sal” (Milton Nascimento e Fernando Brant). Com efeitos sonoros que vão do órgão ao Fender e à guitarra, a introdução tem a fineza que se anuncia como marca do trabalho. O violão chega junto com a voz de Eugénia. A percussão ritma. O baixo acústico marca. E vem o intermezzo, réplica daquele criado por Eumir Deodato e gravado originalmente no LP Clube da Esquina Nº 1 (1972). Show. Em “Fruta Boa” (Milton e Fernando), a letra do poeta tem a candura que Eugénia só faz aguçar. Mais uma vez os teclados dão ao ar a leveza de sua graça.“Cais” (Milton e Ronaldo Bastos) começa com a letra recitada por Eugénia, versão ultramarina de rap. Logo ela dobra a melodia, cantando uma oitava abaixo. Quase sussurrando, diz a letra com rara beleza. Os instrumentos aconchegam-na com recatada deferência. Volta o tema criado por Eumir Deodato, agora solado na flauta. Sobre ele, Eugénia recita “A Hora Absurda”, de Fernando Pessoa. Emocionante.Eugénia recria o fado “Maldição” (Alfredo Duarte e A. Vieira Pinto), dando-lhe um vigor de tirar o fôlego. Com efeitos de guitarra e teclado, mais a percussão, o arranjo tem uma dinâmica pop que dá ímpeto de aplaudir em cena aberta.Ainda que, em alguns momentos, a mixagem permita que o som instrumental equivalha-se à voz de Eugénia, dificultando seu entendimento, Um gosto de sal é pleno de lirismo e de significados, refletindo o dom que tem Eugénia Melo e Castro de transpor limites.Na lembrança ancestral, traduzida em versos pelos poetas, a dor se mistura à busca incessante pela fantasia. E, na idealização de romper fronteiras, busca na música o instrumento que poderá realizá-la.  Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4