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As formulações da literatura


 

 

Jogar com as fórmulas é quase uma exigência do mercado editorial, aquele que publica tanto literatura quanto livros que às vezes nos fazem lamentar a morte de árvores para publicá-los. Há histórias que deveriam pertencer apenas ao meio virtual, jamais ir ao prelo. São impressas, porque temos apego ao papel, a transformar signos em imagens mentais, que se apoiam no toque, no tato dos volumes. Só isso justifica a vendagem de alguns títulos, cujo sucesso é diretamente proporcional à falta de densidade na construção de enredo ou personagens.  Não que a literatura de entretenimento deva ser superficial e medíocre, ao contrário. Stephen King, que escreveu incontáveis thrillers, os melhores levados para o cinema (Christine, o carro assassino, Carrie, a estranha, O iluminado, Stand by me) faz literatura de entretenimento de qualidade.

E moureja para produzir um livro, como ele conta em Sobre a escrita – A arte em memórias (Suma das Letras, R$ 39,90). O texto surgiu a partir de uma observação da escritora Amy Tan, de que seus leitores, quando os encontrava, não lhe perguntavam sobre a forma de escrever, a linguagem, a técnica. Isso porque para aqueles leitores não interessa a arquitetura de um projeto literário e também porque os escritores de entretenimento não são vistos como “sérios”.  

Stephen King esmiúça, então, sua técnica, seu encontro com as palavras, a transformação de fatos pontos iniciais de histórias, exercícios para escrita criativa. Mostra também um profundo respeito pelo leitor, uma eterna busca pela perfeição que não se encerra na mistura de ingredientes destinados, apenas, a agradar um público que jamais terá na leitura algo além de uma distraçãozinha. Sim, há quem nunca vá se interessar pelos contos da canadense Alice Munro, que ganhou o Nobel de Literatura em 2013, aos 82 anos.  Recentemente, li O amor de uma boa mulher (Companhia das Letras, R$ 54,90), um título que aparentemente pouco tem a ver com a história de uma enfermeira, que cuida de uma doente terminal, enquanto observa o marido da paciente, seu ex-colega de escola, em criança. As protagonistas de outros contos são mulheres eternamente deslocadas em ambientes inóspitos, sem o menor charme, no interior do Canadá, vivendo em tempos desconfortáveis para quem não se adequasse à função feminina de produzir e zelar por uma família. A pressão que elas sofrem incomoda o leitor, que descobre, assim, a diferença entre o mero lazer escapista e a reflexão sobre a realidade. 

Alguma maturidade é necessária para ler Alice Munro e Stephen King. Guardar seus trabalhos na estante, emprestar seus livros para que outros desfrutem de experiências únicas é aproveitar o que a literatura tem de melhor: criar referências e bases para a vida lá fora.