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As cordas encantadas de Di Freitas


Pois que assim comecei, sigo: compositor refinado é o que Di Freitas é, pois sua alma de bruxo melodioso carrega um tantão da música ressecada pelo sol do Nordeste e tem na alma o sofrer do sertanejo.A bordo de um carro de boi alado, os acordes saídos das cordas das invenções de Di Freitas carregam o rangido das rodas que rangem na poeira que liga uma cacimba seca à outra por secar. Feito um Jordil Savall (músico e compositor catalão, especialista em viola de gamba) ou um Compay Segundo (músico e compositor cubano), Di Freitas dá à música tal dimensão que corremos o risco de perdê-la de vista. Ela que é tão verdadeira quanto cruel é a fome.O Alumioso (selo SESC) é o CD de Di Freitas, ele que hoje é também coordenador de Música da Orquestra de Rabecas do SESC, lá em Juazeiro do Norte. Sua brasilidade musical é coisa de doido. Cada nota saída dos instrumentos por ele criados soa como ode à música brasileira. Acordes e notas soltas, somados aos sons do piano tocado por Lincoln Antonio (que também toca pife e é o produtor musical do álbum), fazem a força do cancioneiro nordestino se somar à exuberância das músicas cubanas, africanas e ibéricas, e resultam em música a um só tempo popular e erudita. Resta um som que fascina pela sofisticação harmônica e pelo pulsar rítmico, que comove pela singeleza do fraseado e pela inspiração dos improvisos. Nessa amplitude mágica reside a genialidade de Di Freitas.Para tamanha façanha, Di Freitas conta com a zabumbateria (genial!) e a percussão de Éder “O” Rocha, a viola de Filpo Ribeiro, a percussão de Ari Colares e a boa voz de Juliana Amaral. São catorze faixas de arrepiar. Doze só de Di Freitas – inclusive uma com versos (“Flor de Algodão”) cantados por Juliana –, uma de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (“”Juazeiro”) e outra de Patativa do Assaré (“Vaca Estrela e Boi Fubá”).É pena, mas CD assim, feito tantos outros, costuma ter por destino ficar semidesconhecido. Mas este, com bela capa concebida por Leda Catunda, sem dúvida será considerado pelos que tiverem a ventura de ouvi-lo um dos lançamentos mais sedutores do ano.E agora, pra dedicar bonitezas pr’O Alumioso, valho-me de alguns dos versos finais de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto: “De sua formosura deixai-me que diga: é tão belo como um sim numa sala negativa (...) Belo porque corrompe com sangue novo a anemia. Infecciona a miséria com vida nova e sadia. Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria”. Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4