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A renovação dos clásssicos


Existem razões práticas para desmontar uma biblioteca. Livro junta poeira,  cria fungos. Consultar uma edição de trinta anos atrás de O primo Basílio me trouxe uma conjuntivite alérgica. A edição é de 1983, papel acetinado, capa dura, lombada dourada. E, mesmo assim, virou um criadouro de seres prontos a arrasar com, no mínimo, as vias respiratórias de qualquer leitor. Outros ataques chegam no momento em que se decidir dispensar os volumes mais antigos e repô-los por nova edições. Sempre vai aparecer alguém pronto a indagar “por que você não compra um Kindle e armazena a Biblioteca Nacional inteira na maquininha”?

Porque
não tenho interesse em metade do acervo da Biblioteca Nacional.
não quero ler em tela, gosto é de papel.

Leitor precisa ter consciência de que a cada livro comprado adquire um dos produtos mais propensos à prematura obsolescência não-programada. Antes disso, outro motivo de angústia  – o que fazer com o volume velhinho, aquele que ainda tem anotações do antigo proprietário, que escrevia suas impressões sobre o texto lido? E a menos que o coração do leitor seja implacável, a coleção Clássicos do Bolor permanecerá em suas prateleiras, desafiando a sua saúde.

Felizmente, as editoras têm o saudável hábito de lançarem novas edições de clássicos, notadamente depois do (Des)Acordo Ortográfico, que extirpou acentos e hífens da língua. Pretexto para chegarem às livrarias novas edições de Trópico de Câncer e Trópico de Capricórnio (José Olympio, R$ 42, cada), de Henry Miller. O primeiro, publicado em 1934, foi tachado de pornográfico e proibido, imediatamente, em todos os países de língua inglesa, sendo liberado nos Estado Unidos e na Inglaterra apenas na década de 1960. Os intelectuais, no entanto, exaltaram como libertário o relato autobiográfico da chegada de Miller em Paris, depois de um casamento fracassado e com a carreira estagnada. Em 1939, Miller fala do tempo anterior à temporada francesa, também descrevendo vividamente as peripécias sexuais do protagonista.

Desejo e erotismo também não faltam em Os Maias (Zahar, R$ 49,90), de Eça de Queirós, que sai agora em edição de bolso de luxo na coleção Clássicos Zahar. O romance incestuoso entre dois irmãos é entremeado pela crítica ferina à alta burguesia lisboeta, uma característica que Eça desenvolveu em vários romances. Outro clássico da literatura portuguesa que ganhou nova edição, As pupilas do senhor reitor (Record, R$ 32,90), de Júlio Dinis, também discute as discrepâncias sociais do País, contrapondo a vida tranquila mas conservadora e a religiosidade do campo com a sofisticação e o conforto tecnológico, erguido sobre ideias laicas, típicos da metrópole. Narrativas que surgiram há mais de um século, mas que ainda instigam discussões e reflexões.